Coitado do fantasma. Vagar sozinho pela eternidade na pós existência sem saber o que fazer, quem é ou até mesmo qual seu objetivo/lugar/papel nesse mandato conturbado que sofre um processo de impeachment constante, também conhecido como vida (no caso pós vida), não é fácil. E o pior é que uma vez expostos as manifestações de tal criatura nunca mais somos os mesmos. E ainda assim é ele quem sofre com isso. É interessante como o pós vida amofina a mente humana e extremamente irônico que durante toda nossa existência não conseguimos pensar em outra coisa. Nossa preocupação e interesse mórbido na pós existência é tamanha que até mesmo maldizemos, maltratamos e matamos uns aos outros por termos diferentes teses sobre o que acontece por lá. E acabamos descontando no coitado do fantasma, que apenas quer entender o que é, e o que afinal de contas está rolando por lá. Já que tudo parece igual, ele sente a mesma coisa e têm até as mesmas dúvidas.
Na tentativa de explorar o pós vida as almas penadas tentam construir e tocar suas vidas eternas na esperança de que um dia tudo vai ser explicado. Em seus primeiros passos póstumos tentam aprender a manusear e controlar o ambiente ao seu redor e depois tentam se comunicar. Acredito que seja muito difícil encontrar outras assombrações, logo apelam para a comunicação com os vivos. A partir daí a locomoção passa a ser o foco, a busca por um corpo material também. E na sequência conquistar a casa própria, depois sonham encontrar um outro espectro com quem possam compartilhar todas as suas conquistas e o resto de sua eternidade. E quem sabe, juntos um dia entender qual o objetivo da vida, do universo e tudo mais. Infelizmente, todas essas tentativas são entendidas completamente errada por nós, os bípedes vivos. Afinal de contas, estamos mais preocupados em saber quem somos, o que devemos fazer e qual nosso objetivo/lugar/papel. E isso tudo leva tempo, dinheiro e uma extrema capacidade de não se importar com mais ninguém além de você mesmo sua família e seu telefone celular. Então seguimos nossa existência ignorando as demais, principalmente se a outra existência em questão é diferente da nossa ou teve um vivência diferente da nossa. Isso porque se ela têm uma opinião diferente da nossa não só a ignoramos como a devidamente taxamos de idiota, ignorante e não estudada. E nas raras vezes em que percebemos outra existência, como a do fantasma, ela é extremamente mal compreendida. O que pessoalmente, considero uma grande injúria.
Quando as almas penadas aprendem a manusear e controlar objetos e o ambiente ao seu redor não ficamos orgulhos e satisfeitos, e sim amedrontados com a sua levitação e movimentação aparentemente aleatórias. Quando tentam se comunicar e não são confundimos com uma interferência, sentimos um terror gélido debaixo de nossa pele ao ver o rádio sintonizar sozinho. Ao nos hipnotizar e utilizar com o simples objetivo de se locomover e ter um corpo material, fugimos aterrorizados dos humanos possuídos, ou então impomos a eles estranhas sessões/tratamentos com estranhos assessórios/ferramentas, tudo isso para consertar um estranho comportamento e acabar com a possessão. E quando depois de muita luta, depois de uma longa pós vida de conquistas e trabalho árduo, o fantasma conquista sua casa própria, normalmente gritamos, esperneamos, borramos nossas calças e fazemos de tudo ao nosso alcance para os despejar de sua morada. Existem empresas e entidades que ganham exorbitantes quantidades de dinheiro fazendo e/ou oferecendo esse tipo de serviço, um bom exemplo são Os Caça Fantasmas e/ou os irmãos Winchester. E quando tudo isso acontece ao mesmo tempo damos o nome de “Casa mal assombrada”. Quanta ignorância.
Ao meu ver, todos devem ser respeitados. Principalmente os mais velhos e os seres que já se foram e que retornaram ao nosso mundo apenas para tentar entender o sentido de tudo isso ou simplesmente porque não tinham nada melhor para fazer. Se eu fosse um ser ectoplasmático vagando por esta dimensão, me sentiria completamente injuriado por este termo e pelas demais constatações dos humanos vivos. Até porque, se consideramos que todas as nossas constatações, erradas e preconceituosas, estão certas. O termo ainda assim não se aplica e se demonstra plenamente inexato. As casas não seriam mal assombradas, e sim bem assombradas, já que de forma satisfatória e talentosa o assombro amedrontaria a residência. Talvez seja esse o objetivo de morte e pós vida de uma alma penada, nos mostrar que não devemos taxar tudo e todos e que sim, talvez a existência seja mais legal e produtiva quando percebemos as demais existências.
Deixa o fantasma em paz.
Bjundas
Ministério do sarcasmo adverte:
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Sunça é cartunista, escritor e publicitário.
Às vezes certo, às vezes errado, nunca com razão.
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