Salve-se Quem Puder #12 – O Tempo e o Walter

Tempo. O tempo é muito importante para os humanos. Na verdade, é extremamente significativo para todos os seres pensantes do universo. Aliás, se você é algo ou alguém que existe no cosmo, certamente é ele que torna funcional sua vida baldia. O tempo rege as interações e acontecimentos do espaço. O tempo é importante mesmo. E, é irônico que justamente o sujeito com menos aptidão e vontade para lidar com seus trejeitos e peripécias, seja justamente quem de fato aprendeu a controlá-lo. Esse rapaz se tornou o primeiro viajante no tempo, pelo menos o primeiro do planeta Terra.  

Walter abriu os olhos. Olhou para os lados na tentativa de descobrir onde estava, era seu quarto sujo e desarrumado. Notou que estava com a roupa do dia anterior, não ligou. Olhou as horas em seu celular, eram oito horas da manhã de um domingo chuvoso e abafado. Smartphones hoje em dia informam tudo. Ainda bem! Dá muito trabalho olhar pela janela ou sair do apartamento para descobrir como está o dia e os acontecimentos em geral. Se Walter tivesse saído, ia perceber chovia o tipo de chuva que não encharca muito, mais que pinica, incomoda e molha o suficiente para que quase  seja necessário o uso de um guarda chuva. E que, como não usamos, embebeda nossas vestimentas de qualquer forma. Apesar de ser um horário indigesto para uma manhã de domingo, Walter ficou feliz

– Que beleza! Tá cedo. Hoje o dia vai ser produtivo, tenho tempo! – Pensou. Virou para o lado e dormiu por mais quarenta minutos. Abriu os olhos novamente, e mais uma vez ficou feliz. Sentia-se bem. Poderia estar melhor, o gosto ruim na boca, os olhos ardendo, a cabeça doendo e o estômago embrulhado incomodava um bocado.

– Vai ser corrido, mas não vou perder o prazo. Não sei o que rolou ontem, mas certamente fiz o melhor que pude. – Justificou para si mesmo em uma tentativa frustrada de se convencer que o abandono total de suas obrigações tinha sido uma boa ideia e o certo a se fazer. Isso porque na madrugada de sexta-feira, enquanto se embriagava em uma boate com os amigos, ele planejou seu fim de semana. Tinha que terminar os relatórios, editar os áudios dos programas, terminar algumas ilustrações e jogar video game. Ninguém é de ferro. Foi uma pena que um incidente indispensável e incauto lhe custou toda a tarde de sábado. Pelo menos o ocorrido tornou possível levantar cedo naquela manhã de domingo. No sábado, quando acordou por volta de uma da tarde, estava com fome e ligou para um amigo. Foram almoçar no boteco da esquina, no qual, passava mais tempo do que em sua própria morada. No bar eles pediram o cardápio e analisaram cuidadosamente todas as suas opções, chamaram o garçom e pediram uma cerveja e duas doses de pinga. Colocaram os cardápios de lado e começaram a jogar conversa fora. O que não é problema nenhum, o contratempo aqui, foi que passaram o resto da tarde e início da noite bebendo pinga da mesma forma que indigentes andarilhos recém saídos do deserto bebem água. Walter dormiu mais cedo que o de costume naquele dia.           

– Acho que é uma boa idéia comer algo, a ressaca tá brava! – Pensou. Ficou de pé, caminhou até a mesa de seu quarto acendeu um cigarro, ligou a televisão e deitou novamente na cama. Uma hora depois exausto de tanto trocar de canal, resolveu que deveria aprumar e começar a resolver suas pendências.

– É comer algo, tomar um banho e trabalhar. – Tentou convencer a si mesmo. Pegou uma revista em quadrinhos entrou no banheiro e passou um relaxante fax aguado e ardido. Leu o gibi até o final. Com menos quarenta minutos de seu dia se levantou lavou as mãos e partiu para a cozinha. Se deu conta de que seu celular estava no quarto, voltou para pegá-lo. Após meia hora de troca de mensagens deitado em sua cama utilizou mais uma hora de seu dia olhando para o teto em um momento de inatividade ociosa.

– Meu Deus! São onze e cinquenta. Tenho que trabalhar! – Walter deu uma bronca mental em si mesmo, levantou ligou seu notebook e arrumou sua mesa de trabalho. – Está na hora de finalizar os relatórios. – Disse em voz alta. Olhou para o relógio do computador, era meio dia. – Bem, é melhor parar agora e almoçar. Depois trabalho sem pausas durante o resto do dia. Isso mesmo, boa idéia! – Levantou convicto de que finalmente tomou uma boa decisão e partiu para a cozinha. Não tinha muitas opções de comida. Resolveu que ia fazer algo, gostava de cozinhar e era bem bom modéstia à parte. Pegou farinha, ovos, leite, legumes, pimenta e frango desfiado. Preparou uma massa de panqueca, cozinhou os legumes e assou uma linguiça que encontrou em seu congelador. Temperou tudo com manjericão, azeite, sal esquentou o frango e misturou aos legumes. Picou a linguiça na massa da panqueca e a fez na frigideira, a massa ficou maior que uma panqueca comum e menor do que um bolo normal. Colocou o cozido de frango e legumes por cima e finalizou fazendo uma casca de queijo canastra com fubá. Pegou seu molho de pimenta mais forte, duas cervejas e voltou para o quarto quase duas horas depois de finalmente ter tido uma boa idéia.

– Mandei bem, que delícia! Acho que inventei um novo rango do bom. – Afirmou satisfeito. Ele estava certo. – Nossa comi demais! – Constatou dando o último gole de sua segunda cerveja, novamente estava certo. Foi até a cozinha deixou o prato e as garrafas na pia. Voltou e no caminho parou para servir uma dose de pinga caseira, tinha lido em algum lugar que era bom para a digestão. Chegou no quarto, pegou o controle da televisão e antes de desligá-la mudou de canal. – Oba! Adoro esse faroeste. Que sorte, acabou de começar… – Refletiu com o sorriso de uma criança que acaba de ouvir o sinal do recreio. – Dez minutos para a digestão e volto ao trabalho. – Se limitou autoritariamente, deu um gole na pinga e deitou na cama. Assistiu todo o filme.     

– Não é possível, cinco da tarde! – Assustou ao conferir as horas em seu telefone. – É pegar uma garrafa d’água e finalizar os relatórios, editar os áudios e fazer as ilustrações. – Planejou. No caminho para a cozinha percebeu triste que não teria tempo para o videogame. Pegou a água deu um gole e lembrou que não regava sua horta a uns dois dias. Subiu correndo para o terraço, cuidou de suas plantas e apreciou o lindo fim de tarde deitado na rede. O pôr do sol particularmente foi magnífico. Duas horas mais tarde, aproveitou o embalo para dar uma lida rápida em seu livro favorito, uma ficção científica de humor. Uma hora e meia depois de uma leitura prazerosa acabou tirando um cochilo de quarenta minutos. Abriu os olhos.

– Nove e dez! – Exclamou horrorizado em voz alta. – Meu Deus, o tempo passa rápido demais! – Gritou. Saiu correndo determinado, sentou em sua mesa e abriu seu notebook. Cinquenta minutos depois ainda olhava seu email. – Dez horas da noite… – Walter choramingou. – Não é possível! Exclamou. – Aaaaah! Gritou e começou a chorar.

Durante séculos o tempo era uma medida absoluta. Ele era verdadeiro, matemático, boa pinta e sincero. Acontecia da mesma forma para todo e qualquer observador. Isso, até Einstein mudar as regras. O tempo passou a ser relativo e cada região do espaço a ter seu próprio relógio. (Digital ou não) Fato é, que ir para o futuro é fácil. Basta viajar na velocidade da luz, o que aí sim é bem difícil. Voltar no tempo é o problema, já que a forma viável de fazê-lo envolve buracos de minhoca. Isso, até Walter mudar as regras. A “Conjectura de Proteção Cronológica”, segundo Hawking, é que as leis da física impedem qualquer possibilidade de viagem para o passado. Além de um pouco de recalque, elas querem impedir que você acidentalmente mate seu próprio avô ou que se torne seu próprio pai. Esse tipo de paradoxo nas leis de causa e feito não faz bem para o universo. Na verdade, só deixa ele estressado. E aqui entra Walter, um procrastinador nato que após se concentrar de forma intensiva e incansável, na tentativa de explodir seu próprio cérebro em um suicídio ilógico. Acabou se esquecendo de toda e qualquer regra imposta pelo tempo e ludibriou as leis da física. Walter só conseguiu passar completamente despercebido por elas, porque independente do tempo disponível em suas mãos a chance de criar um paradoxo era nula. Ele ia procrastinar. Tudo ia ocorrer conforme o esperado.

Walter abriu os olhos, olhou em volta e na televisão os créditos do bangue-bangue subiam a tela. – Eu voltei no tempo! – Gritou enquanto saltava da cama. – Glória a Deus! – Gritou enquanto gesticulava os braços quase exatamente igual mas ligeiramente diferente de um macaco que corre atrás de uma penca de bananas. – É tomar um banho e trabalhar! – Constatou feliz. Quarenta minutos depois saiu do chuveiro, gastou meia hora arrumando seu armário e resolveu conferir o facebook. Duas horas depois percebeu que estava com sede e partiu para a cozinha, quarenta minutos mais tarde após inovar no fogão um rápido lanche, atinou que já eram dez horas da noite novamente. – Merda! – Pensou. Fechou os olhos, se concentrou e tentou explodir seu cérebro com mais intensidade ainda na tentativa de voltar mais cedo no tempo. Deu Certo.

Walter abriu os olhos, estava olhando para o teto em um momento de inatividade ociosa. – Onze e cinquenta da manhã! Sou foda. – Afirmou enquanto dançava igual ao Vitinho Avassalador. Resolveu que seria rápido prático e objetivo. Evacuou, tomou banho, cozinhou, almoçou, cuidou das plantas, dormiu na rede, leu quadrinhos, assistiu televisão, conferiu os emails, ficou a toa, facebook, twitter, facebook, youtube, facebook, celular, cochilo e youtube. Deu um grito. Esfregou os olhos, olhou novamente as horas. Deu outro grito. – Dez horas da noite, inacreditável. – Pensou que seria uma boa idéia desistir daquilo tudo, ou então, em voltar para um época em que sua pessoa não existisse. O que não tinha lógica alguma, mas era tentador. Até que teve, o que para ele pareceu, uma boa idéia. Voltar mais ainda no tempo. Fechou os olhos e se esforçou, concentrou extremamente, fez o máximo que pôde para tirar proveito da vista grossa das leis da física e abriu os olhos.

– Sábado! – Gritou em êxtase ao conferir a data em seu celular. Era por volta de uma da tarde, depois de alguns minutos se sentindo muito satisfeito consigo mesmo notou que estava com fome. Ligou para um amigo e foram almoçar no boteco da esquina, no qual, passava mais tempo do que em sua própria morada. No bar eles pediram o cardápio e analisaram cuidadosamente todas as suas opções, chamaram o garçom e pediram uma cerveja e duas doses de pinga. Colocaram os cardápios de lado e começaram a jogar conversa fora. E passaram o resto da tarde e início da noite bebendo pinga, da mesma forma que indigentes andarilhos recém saídos do deserto bebem água. Walter dormiu mais cedo que o de costume naquele dia.   

       


Ministério do sarcasmo adverte:

Acreditar e/ou levar a sério informações desse texto é um atestado de bestialidade.


Sunça é cartunista, publicitário e escritor. 

Às vezes certo, às vezes errado, nunca com razão.

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