Sunça no Cinema – Mãe (2017)

Um casal tem o relacionamento testado quando pessoas não convidadas surgem em sua residência acabando com a tranquilidade reinante.

115 min – 2017 – EUA

Dirigido por Darren Aronofsky e roteirizado por Darren Aronofsky. Com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson e Domhnall Gleeson.

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Texto originalmente publicado no site Cinema e Cerveja.

O casal formado por Jennifer Lawrence e Javier Barden vive em uma casa, grande e isolada, que sofreu um incêndio no passado. Lawrence se dedica diariamente a reconstruir a morada e é a esposa de Bardem, um poeta passando por uma crise criativa. O relacionamento deles é abalado pela constante presença de estranhos em sua residência. Esses forasteiros incitam uma sucessão de acontecimentos caóticos.

Dizer mais sobre a trama de “Mãe” pode entregar as diversas interpretações, alegorias e críticas da nova obra de Darren Aronofsky. O longa é desafiador e ousado, um filme que ainda vai perdurar muito tempo em nossos pensamentos. Basicamente podemos alegar que é sobre o ego masculino, o instinto feminino e pessoas que esperam mais do que você tem a oferecer. Isso retratado de forma horrível, fascinante e perturbadora. São inúmeras interpretações, é uma crítica de caráter ecológico, o processo criativo de um artista, uma alegoria sobre o antigo e novo testamento ou uma crítica à alienação da religião? Creio que cada espectador vai ter sua interpretação, e me parece, que esse era o objetivo de Aronofsky.

O filme se passa dentro da casa do casal e é centrado na personagem de Jennifer Lawrence, a Mãe. É do ponto de vista dela que observamos a trama e acompanhamos todos seus passos com planos fechados, imagens em primeiro plano e câmeras subjetivas. Isso unido ao fato de não sairmos da casa, apesar do longa saber explorar bem cada cômodo de forma única, gera a sensação inicial de claustrofobia. É uma atmosfera perturbadora que sufoca e nos faz sentir presos. Então assim como a Mãe somos reféns, não temos controle sobre os acontecimentos caóticos que acontecem em nossa morada. A opção do cineasta pelo silêncio é precisa. O design sonoro opta por efeitos sonoros e sons específicos que marcam o ritmo, criam tensão e a sensação de incômodo. Em seu terceiro ato a obra adota um estrondo sonoro acompanhando a eventos surreais e caóticos. A câmera se torna mais ágil e os planos mais abertos. Lawrence está bem no papel e consegue demonstrar as diversas sensações e emoções pelas quais sua personagem é submetida. Um destaque interessante é Michelle Pfeiffer, sempre provocadora e com presença forte. Aronofsky demonstra talento na condução dos diversos temas e tons abordados por sua obra.

“Mãe” vai deixar espectadores com raiva. Outros absortos e pensativos, muitas interpretações vão ser elaboradas e várias leituras da obra vão ser feitas. É um filme exigente e intrincado que não foi feito para agradar a todos os públicos. Uma obra que causa debate e divide seu público na relação de amor e ódio. O que podemos retirar de fato, ignorando as diversas interpretações, é a mensagem ambientalista, a crítica ao culto às “celebridades”, uma alfinetada à alienação da religião e a importância do processo artístico em si. Mas, é na compreensão de que tudo que está na tela é uma alegoria, que o longa se mostra uma ótima experiência cinematográfica. É uma pena que “Mãe” esteja fadado ao fracasso comercial.

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Fica aqui a minha simples e singela interpretação (COM SPOILERS). Ela é apenas uma das muitas possibilidades, já que “Mãe” é uma experiência única para cada espectador.  

A Mãe (Jennifer Lawrence) e Ele (Javier Bardem) vivem em uma casa isolada que a um tempo atrás sofreu um incêndio. Longo na início da trama fica claro que a personagem de Lawrence e a casa são um. Ela é a mãe natureza, o planeta Terra em convivência no paraíso com Deus (Bardem) o criador. Das cinzas da antiga casa apenas restou um cristal (O fruto proibido) que permanece guardado no escritório de Deus. Bardem sai para uma “caminhada” sozinho e logo o cotidiano de ambos é perturbado. Um visitante conhecido com “Homem” (Ed Harris) adentra a morada do casal. Ele é Adão e aos olhos da Mãe é imperfeito, velho, moribundo e doente. Além de trazer consigo vícios, o cigarro e a bebida. Já Deus, se mostra fascinado pelo homem.

  No meio da primeira noite de Adão na casa, a Mãe o presencia “passando mal” e sendo acolhido por Deus. Vale um destaque para a ferida rapidamente coberta pelo criador, mas fica perceptível a referência a retirada da costela do primeiro homem. Não demora a surgir Eva. Michelle Pfeiffer a personagem “Mulher”.  É interessante perceber a malícia da personagem que funciona também como a “cobra” já que quer de qualquer maneira ver o fruto proibido. Curiosidade que leva ela e Adão a quebrar o cristal. Não demoramos a ter a presença de Caim e Abel os personagens “Filho mais velho” e “Irmão mais novo”. Rapidamente eles entram em conflito e corrompem e literalmente marcam  a “casa” acelerando sua degradação.

Durante todo o longa é clara a ideia do homem como impuro, perverso e imperfeito. No velório de Abel temos a chegada de mais homens e mulheres. Eles semprem ignoram, tratam mal e têm comportamento abusivo com a “Mãe”, passamos a  presenciar diversos pecados. O caos fica tão grande que é necessário um “dilúvio” na forma de uma pia quebrada para trazer a calma novamente. Após uma briga entre o casal (A Mãe não compreende porque o criador atura com os “excessos” de seus “convidados”) eles acabam concebendo um filho.

O Filho inspira Deus que volta a escrever e cria sua nova obra (Novo testamento). Após o lançamento da criação tudo acontece rápido, o terceiro ato é chocante e acelerado. Em uma bela sequência a Mãe acompanha a história do mundo, presencia diversas guerras e tragédias nos cômodos de sua casa. Em determinado momento também acompanhamos diversos líderes religiosos pregando a palavra do “poeta”. A sensação de caos é forte e imagens perturbadoras de fome, pestilência, guerra e morte demonstram que o Apocalipse começou. Em meio a tudo isso a Mãe dá à luz a uma nova criação de Deus, a mais perfeita de todas, e causa ainda mais adoração. Deus entrega o bebê (Jesus) para os fiéis que o abraçam e envolvem até matá-lo. Em uma cena fica clara a alusão ao ato de comungar da Igreja Católica. Quando a Mãe não aguenta mais, ela coloca fogo na casa e acaba com toda humanidade se sacrificando. Nada acontece com Deus que a resgata das cinzas apenas para pegar seu coração que dá origem a um novo cristal (Fruto proibido) com o qual ele reinicia toda a criação. O filme começa e inicia da mesma maneira, porém cada novo ciclo acontece com uma nova mãe.   

Darren Aronofsky coloca a Mãe natureza e a humanidade como antagonistas, o homem é corrupto, imperfeito e perverso. Faz suas vontades, não respeita os pedidos da Mãe e a destrói como consequência. É uma crítica com nossa obsessão pelo sagrado, o culto ao ídolo e à alienação da religião, junto a uma forte crítica ambiental. O Homem acaba com a Mãe natureza e ela acaba com o Homem. É a história da criação em looping, que aparentemente, nunca vai dar certo.

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Nota do Sunça:

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