Um homem leva sua namorada para viajar e, assim, conhecer seus pais. Porém, um desvio inesperado transforma a viagem do casal numa jornada terrível rumo a fragilidade psicológica e pura tensão.
134 min – 2020 – EUA
Dirigido por Charlie Kaufman. Roteirizado por Charlie Kaufman (baseado na obra de Iain Reid). Com Jesse Plemons, Jessie Buckley, Toni Collette, David Thewlis, Guy Boyd, Hadley Robinson, Gus Birney, Abby Quinn, Colby Minifie, Anthony Robert Grasso, Teddy Coluca, Jason Ralph, Oliver Platt, Frederick Wodin, Ryan Steele.
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Somos formados de várias personas e temos interesses nas mais variadas áreas. Me considero um cartunista, publicitário, quadrinista, radialista, pintor, escritor dentre várias outras atividades. Além de ser também um amálgama de diferentes pessoas. Por exemplo, já fui um guitarrista de uma banda de garagem mundialmente famosa. Também sou o Homem-Aranha e em determinado momento fui um astronauta que salvou o planeta ao som de “I Don’t Want To Miss A Thing”. E como esquecer as diversas vezes em que salvei vilarejos ao vencer duelos de bangue-bangue. Ostento com muito orgulho os diversos Oscars que recebi ensaboado no chuveiro. Na minha cabeça meio louca e mal compreendida (Por mim mesmo), já fui de tudo um pouco. Minhas memórias e criações coabitam e interagem formando quem eu sou.
O diretor e roteirista Charlie Kaufman tem a incrível habilidade de adentrar no inconsciente humano. “Estou pensando em acabar com tudo” é um convite de Kaufman para uma jornada onde vemos a vida, o que ela foi ou o que poderia ter sido, ou até mesmo o que Jake (Jesse Plemons) gostaria que tivesse sido. É compreensível que ao rever sua vida alguém coloque em cheque suas escolhas, decisões e que misture realidade e ficção, para que seu fim seja algo mais justo em sua própria percepção. Ao rever o passado a “realidade” são suas memórias e aqui entra outro ponto chave da narrativa. Memórias são subjetivas e se misturam com nossas percepções e emoções. Esse registro distorcido de nossa existência influencia sobre como interpretamos nosso presente e como nos enxergamos nele. Daí a discussão presente no longa sobre os humanos serem os únicos animais não capazes de viver no presente.
Na trama a personagem creditada com jovem mulher (Jessie Buckley) viaja com o namorado Jake sob uma tempestade de neve para conhecer os pais do Rapaz, interpretados por Toni Collette e David Thewlis. Eles namoram a poucas semanas, aliás, a protagonista sequer se lembra o tempo exato. O que é um sinal de que as coisas não caminham bem. Está aí uma das leituras do título e a mais literal. “Estou pensando em acabar com tudo” é um filme que vai dialogar com cada um de uma forma única. O longa é bem estruturado e sabe unir várias narrativas e gêneros em seus segmentos. Já no início em uma conversa claustrofóbica e opressora dentro do carro percebemos a inconsistência na jovem mulher. Sua personalidade muda a todo momento, ela demonstra falta de interesse em poesia e alguns segundos depois recita de memória um poema que acredita ser seu. Poema, que mais tarde percebemos ser da poeta Eva H.D. autora de um livro que Jake guarda em seu quarto. Sua profissão e nome também mudam constantemente, ela foi bióloga, física, garçonete e ao longo do enredo é chamada de “Lucy”, “Lúcia”, “Louise”, “Amy” e “Tonya”.
É passeando pelo tempo e espaço que vamos conhecendo mais sobre esse casal. Saltamos do dia para a noite na velocidade de uma palavra e de um ambiente para o outro em um piscar de olhos. É um trabalho primoroso de montagem que nos deixa inquietos, interessados e incomodados. A razão de aspecto reduzida sufoca sua protagonista e compartilha conosco a angústia da jovem mulher. É na dinâmica e no diálogo entre o casal que montamos o quebra cabeça que é a vida de Jake. Jesse Plemons mistura carisma com estranhamento sabendo mostrar fragilidade e insegurança. Um bom trabalho de atuação que nos diz muito sobre o amadurecimento conturbado daquele personagem. Jessie Buckley faz um ótimo trabalho com a protagonista complexa que o roteiro lhe entrega. Sabendo ser uma projeção criada e ao mesmo tempo uma pessoa independente com suas próprias vontades. Em vários momentos ela representa as angústias e incita importantes reflexões. Suas percepções acabam se unindo a nossa e assim conhecemos os pais de Jake, através das memórias dele. E vemos seus pais nas mais variadas idades e etapas da vida. Sempre com diferentes sensações e emoções, seja em momentos uma visão repulsiva e em outras carinhosa, protetora e até mesmo opressiva e raivosa.
A jovem também nos permite conhecer Jake, já que nas constantes mudanças de comportamento e interesses faz várias referências culturais. Mudanças que podem se justificar na mistura de mulheres idealizadas pelo rapaz e até mesmo no que ele próprio gostaria de ter sido. Ela pinta as mesmas pinturas Jake e que na verdade são obras de Ralph Albert Blakelock. Ao discutirem sobre o filme “Uma Mulher Sob Influência” repete a crítica escrita por Pauline Kael. E isso é natural, constantemente recriamos elementos da cultura e sociedade que nos influenciam e cativam. Jake chega a interpretar trechos do musical Oklahoma. Em momentos de estranheza a Jovem mulher percebe que seu namorado parece saber o que ela está pensando. Sentimento que é reforçado ao chegar na fazenda que só têm ovelhas, ver o cachorro da família e perceber sua fotografia de infância no mesmo local que a de Jake. O desconforto ao longo da obra é progressivo e caminha até o momento em que a protagonista não sabe mais onde está. Seu encontro com o zelador do colégio (Guy Boyd) e o simples ato de reconhecer de quem são aqueles chinelos nos revelam a figura criadora por trás de tudo e direciona a narrativa para a leitura mórbida do título.
“Estou pensando em acabar com tudo” nos lembra também de como é viver. De como nossas memórias e interesses ao longo de nossa jornada nos transforma em quem somos. Nossas alegrias, felicidades, dores e frustrações. O zelador reve suas decisões e opções percebendo seus erros quando é tarde demais para fazer algo a respeito. Talvez por isso, em alguns momentos, a jovem mulher quebre a quarta parede com um olhar de desprezo. Afinal, no fim da vida o que queremos é acabar reconhecidos e premiados fazendo um belo discurso como John Nash interpretado por Russell Crowe no filme “Uma Mente Brilhante” e não enterrados na neve em uma vida, aparentemente, sem afeto.
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Nota do Sunça:
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